Conta a saga do casal que ousou deixar o Brasil para viver no Canadá e experimenta em Toronto a inesquecível e transformadora experiência de ser imigrante.
9.11.12
35 dias
Em seis anos de exílio, posso afirmar com categoria que não mais tenho saudades do que passara e não é mais. Posso dizer, com firmeza de propósito, que meus pés (aqueles cansados e que se voltarão para cima) estão bem certos de sua trilha nesse país que escolhi para chamar de minha terra, meu lugar: o Canadá.
Entretanto, há outra terra, outro lugar. E para lá gosto de voltar sempre para descansar, recarregar, me confortar. E esse lugar chama-se Brasil. Lá estão familiares queridos e amigos que jamais sairão de minha mente e coração. Curioso sentir que a cada vez que volto parece que nunca deixei aquelas pessoas. E nunca deixei mesmo. Sempre as amarei com a mesma intensidade de antes. São poucas essas pessoas mas elas sabem quem são.
É sempre bom voltar para as origens e lembrar quem fomos um dia. Melhor ainda é perceber que somos mutantes, seres extremamente adaptáveis a tudo! Imigrar não nos torna pior nem melhor que ninguém mas nos dá uma visão profunda dos sentidos que buscamos. É como se colocássemos uma lente de aumento em tudo que enxergamos. E, de repente, com o passar dos anos, vamos tendo a clareza da resposta para a pergunta: "que tipo de pessoa eu quero ser quando crescer"? Incrível como sair da zona de conforto nos dá esse poder extra especial.
Mas ganhar poderes especiais não é o único resultado de estar fora da zona de conforto. Sair da zona de conforto cansa, fatiga, instiga. Te faz buscar o sentido das coisas com mais voracidade. Dá movimento. E esse movimento nem sempre é positivo mas, enquanto movimento, progride. Dá trabalho construir novas realidades a cada instante, novos poucos e bons amigos de infância, cenários confortáveis longe de suas raízes. A labuta é árdua e nem sempre compensa. Ainda assim, sinto prazer em todo esse trabalho longe do que um dia eu fui. Ainda assim, sinto orgulho de viver longe do que um dia foi meu. Ainda assim sorrio ao provocar o sorriso de alguém que está longe de ser um amigo de infância que já passou. Por isso trabalho. Por isso vivo e existo no Canadá! E por isso descanso no Brasil.
Boas risadas, abraços e conversas ao pé do ouvido me aguardam. A fumaça do café que só meu pai sabe fazer. O cheiro de bolo de laranja saído do forno à lenha. Os pés descalços na fazenda e a vizinha que abre o portão para lamentar o preço da cesta básica. A minha estranheza diante de tudo que já passou e ainda continua lá. A isso dou o nome de férias no Brasil. Fui ali descansar e já volto.
1.10.12
Seis anos de Canadá em cores de Almodovar
Setembro parece ter entrado para a categoria oficial do mês que sempre me traz novos começos. Há seis anos aqui cheguei e agora, no mesmo setembro laranja do outono, comecei meu trabalho voluntário em uma cooperativa educacional para crianças de 2 anos e meio até 6 anos, iniciei mais dois trabalhos de pesquisa na área em que estou estudando (educação e desenvolvimento infantil) e mais duas matérias na sequência para adquirir o meu diploma.
Sempre quando chega setembro passa um filme em minha cabeça sobre os primeiros dias como imigrante. Aliás, podem passar 20 primaveras e aqueles dias jamais se apagarão de minha memória. Entretanto, não é de conquistas e fracassos que quero escrever para comemorar. Ao invés, prefiro escrever sobre algumas coisas que aprendi enquanto cidadã canadense.
Os seis anos de Canadá mexeram com meus sentidos e me fizeram:
aprender a lidar com o paladar apimentado de quase tudo quanto é comida que se compra pronta por aqui,
amar a deliciosa mistura dos molhos "honey garlic" . Alho e mel que casamento perfeito para um prato de comida!,
passar a consumir mostarda como nunca fizera antes devido a variedade de sabores,
acostumar com o fato de acabar com a elegância de uma produção para uma festa ao ter que tirar o sapato para entrar na casa de alguém,
aprender um novo dialeto só para pedir um café ou qualquer coisa para comer no Tim Hortons,
aprendar a lavar banheiro sem ralo para escorrer a água,
tomar banho em pé na banheira mesmo não vendo sentido nenhum nisso,
a conviver com banheiros sem janela , cozinhas sem porta, a ter calor no frio e a ter frio no calor,
me acostumar a não tomar bebida alcóolica em locais públicos,
me habituar a não conseguir pronunciar nomes Indianos e Chineses mesmo depois de pedir para repetir pela terceira vez,
ter quintal aberto sem muros nem portões e ainda assim encontrar tudo do jeitinho que deixei,
ficar craque em fazer minhas próprias unhas, tanto das mãos quanto dos pés,
aprender o real significado das palavras compaixão, humildade e trabalho,
não cansar de ficar encantada com a infra oferecida pelas bibliotecas públicas e centro comunitários,
e, acima de tudo, ter a certeza que, apesar de longo e por vezes árduo, o caminho é esse e por ele sigo em frente. Que tenha início os próximos seis anos de minha vida canadense! Parabéns para mim, para meu queridíssimo marido e ao filho que nasceu em terras canadenses e agora não somente nos ensina palavras novas em inglês mas também a "a andar pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome, cores de Almodovar, cores de Frida Kahlo, cores..."
é isso! acima de tudo, imigrar é ver o mundo em outras cores e "Esquadros" na bela voz de Adriana Calcanhotto ilustra um pouco disso. Feliz aniversário de seis anos para nós!
18.8.12
Tive fora uns dias
Como dizia, estou feliz. Incrível como com o passar dos anos passamos a nos entender cada vez melhor. Entender o que nos faz bem. Como ficamos melhor em selecionar o que de fato importa e nos dá prazer! Eu sempre soube que gostava de crianças, de ler e de estudar. Entretanto, depois que meu filho nasceu passei a enxergar como estar com crianças e livros me dá prazer. Pode ser crianças e livros, só livros ou só crianças. Daí, apesar de viver o momento em que mais eu tenho trabalhado em toda a minha vida, vivo o mais feliz de todos.
O passar dos anos me trouxe uma capacidade lúcida, quase incotrolável de focar. O foco, por sua vez, traz, todos os dias, vontade de fazer mais. Há alguns dias meu primo Zé escreveu em seu perfil no facebook : "Pense. Planeje. Realize" . Quando li isso senti uma certa satisfação ao perceber que tudo que tenho feito hoje é resultado de muito pensar e planejar e agora com foco estou realizando. Sensação inesgotável de prazer essa de focar e realizar.
Entretanto, não estaria eu realizando não fosse o incomensurável apoio moral e financeiro daquele que eu escolhi para meu parceiro nessa jornada deliciosa chamada vida. O que um dia foi paquera, depois virou ficante, namorado, união estável , marido e agora pai é 50% responsável pela satisfação que hoje sinto, mesmo com tanto trabalho. Digo 50% porque não acredito que alguém , por mais apoio que tenha, seja capaz de realizar algo se em princípio não dispuser de sua força interior e desejo de trilhar.
E agora, depois de tanto divagar. Veja, acho que divagar é um resultado direto da minha pouca presença nesse espaço. Estava com saudades e tenho muito a dizer, ou melhor, escrever. Me falta prioridade. Não tempo. Não acho que falte tempo para algo que realmente se queira fazer. E eu realmente quero escrever. Entretanto, as prioriades de criar o meu filho, cuidar do marido e do meu estudo acabam por esmorecer o ato de escrever.
Escrevi um dia, escrevo agora e sempre escreverei. Posso demorar um pouco é verdade. Mas a alma dói quando não escrevo. Flui melhor quando escrevo. Ela, a alma. Pronto. Divaguei de novo. Ah, como é bom apenas brincar com as palavras assim como brinco de bola com meu filho! E assim tenho feito com esse momento especial. Brinco. Trabalho duro mas brinco com tudo sem jamais perder o foco. O foco de seguir à diante. E ler . E Escrever. E estudar. E criar. Criar o meu mais precioso tesouro. Meu filho. Já Já volto. Volto mais objetiva prometo. Menos oblíqua. Mais focada.
5.7.12
aproveitando o verão
Desde que aqui escrevi muito já andei, viajei, estudei, trabalhei e vivi. E hoje, logo após voltar de um feriado em Nova York, volto para o meu canto, meu refúgio. Fomos também à praia. Sim, porque não dá para bobear com o verão canadense. Ele vem e vai embora sistematicamente. Diferente de quando morávamos no Brasil e podíamos ir à praia e fazer um churrasco no quintal independente da época do ano. Por aqui não. É preciso uma atitude Carpe Diem quando o assunto é ficar mais tempo fora de casa do que dentro.
Lembro quando aqui cheguei, há quase seis anos, e ficava impressionada ao ver a festa que se fazia quando chegava o verão. Hoje entendo e faço igual. Mas o verão, extremamente quente e húmido, não foi o único causador da minha ausência. Em janeiro comecei a frequentar o College (vulgo escola técnica) à noite o que me fez pensar como era fácil apenas estudar na época em que fui para a Universidade no Brasil. Eu já sabia na época e era muito grata aos meus pais pelo sacrifício. Entretanto, hoje vejo que era de fato muito mais fácil apenas estudar. Agora, estudar, cuidar da família, da casa, do filho e de si mesma aí é que são elas! Precisa ter um marido como o meu e uma disciplina como a minha.
Estou feliz e realizada apesar de toda a carga de trabalhos pois finalmente vejo um caminho mas isso já é assunto para outros textos. Por hora, passei para dizer alô e confirmar que esse blog não morreu e nem vai morrer. Aqui estou de volta, trabalhando em casa, criando meu filho exatamente como eu queria e ao mesmo tempo cuidando do meu futuro para quando meu filho crescer independente e feliz como a mãe dele!
Agora preciso ir ali curtir o verão canadense e já volto. Prometo não demorar tanto dessa vez.
13.4.12
Nós vamos invadir a sua praia
12.3.12
Próximo Bill Gates ou Steve Jobs pode chegar.
1.3.12
cooperativa educacional
14.1.12
A importância dos colleges
Há cinco anos moro no Canadá. Há cinco anos mantenho esse blog e há cinco anos pessoas querendo imigrar me fazem a pergunta que não quer calar: "como é o mercado de trabalho aí no Canadá para determinado ramo de atividade?".
É claro que não tenho competência para analisar o mercado canadense, do contrário estaria trabalhando no Statistics Canada (o equivalente canadense ao IBGE). Posso falar um pouco sim da área em que eu atuava no Brasil (comunicação corporativa-assessoria de imprensa) por tudo que vi em cinco anos. Mas há cerca de 3 anos resolvi mudar de carreira e agora começo a colocar em prática o decidido há 3 anos. Iniciei o College essa semana para obter o diploma de educadora infantil. As razões pelas quais resolvi mudar vou contando aos poucos mais para frente. O real motivo desse texto é o que me levou ao College.
Há uma diferença cultural importante entre Brasil e Canadá no que diz respeito aos bancos escolares que você só aprende depois de alguns anos morando aqui: a valorização dos colleges e seus respectivos cursos (equivalente a um colégio técnico no Brasil) pelo mercado de trabalho. Enquanto no Brasil somos pressionados a cursar uma faculdade logo ao deixar o colegial (ok, sei que mudaram as denominações mas é assim que eu falava na minha época:) sem nem mesmo sequer saber, na maioria dos casos, o que queremos cursar; aqui no Canadá (ao menos em Ontario onde vivo há cinco anos) a grande maioria vai para o College e hoje eu entendo o motivo.
Os colleges tendem a ter uma relação mais direta com as necessidades momentâneas do mercado de trabalho e preparam os alunos para funções específicas e, em não raros casos, desvalorizadas pelos brasileiros como por exemplo encanador, mestre de obras, esteticista e uma série de assistentes como o assistente do dentista que aqui no Canadá é quem faz a limpeza do seus dentes, o assistente do advogado e por aí vai. Esses todos foram para o college. Claro que alguns depois acabam até indo para a universidade. Eu mesma pretendo fazer isso mas o college acaba sendo a porta de entrada mais rápida, prática e direta para muitos ramos de atividade profissional. E aí que entra a maior lição de todas que aprendi como imigrante.
Se você está chegando e já sabe que quer exercer outra atividade profissional diferente da que exercia no Brasil, vá direto para o college. Não perca seu precioso tempo com cursinhos que o governo oferece para te arranjar uma vaga (mais conhecido como exploração maquiada de "voluntariado"). Até mesmo se você pretende seguir a mesma carreira do Brasil, dependendo do caso o college também é o caminho mais prático. Tenho uma conhecida que era advogada no Brasil chegou aqui e foi direto para o college. Sábia decisão.
Pensei nisso ao ler essa matéria sobre os ramos de atuação que mais empregarão no Canadá nos próximos anos. Também fiquei feliz ao saber que a atividade por mim escolhida e a qual exercerei com paixão (porque de nada adiante fazer algo exclusivamente porque há demanda) está entre as de maior demanda assim como no setor de saúde e tecnologia.
Outro dado que me animou bastante e que só comprova a importância dos colleges para o mercado canadense é que 35% dos novos postos de trabalho deverão ser ocupados por estudantes saidos dos colleges, seguidos por 26% dos graduados nas universidades e 8% por aqueles que não completaram o colegial. Então, se você gosta de estudar, está chegando por aqui e atuava no Brasil em uma área que a demanda aqui não é tão grande, a melhor coisa que você pode fazer é investir seu tempo e dinheiro em um curso (uma ótima fonte para iniciar sua pesquisa é aqui) que de fato vai lhe trazer algo que mais precisamos quando aqui chegamos: um trabalho digno para pagar as contas.